Kew


Kew era meu bichinho de pelúcia na infância e adolescência... Por que Kew? por causa dos crushs, palavra que nem existia naquela época, meados da década de 90, falávamos paqueras, pois bem, meus paqueras àquela época em que eu era BV, ou seja, boca virgem, eram Kléber, irmão da minha amiga, Eduardo, o grandão do vôlei, estudante de medicina e William, o primo da outra amiga, meu predileto e aquele que não me dava mesmo a mínima.
Enfim, com as iniciais em homenagem a Kléber, Eduardo e William, batizei meu gatinho de pelúcia Kew. Eu dormia com Kew todas as noites e durante o dia ele ficava na minha cama. Nessa época, minhas inseparáveis amigas eram as Danielas... sim 3 amigas chamadas Daniela a Daniela Zamarioli, prima do meu amado William, Daniela Menezes, irmã do Kléber e a Daniella Kastro, que minha mãe não gostava.
Pois bem, as Danielas ligavam em casa, e quando eu chegava meu pai sempre avisava “sua amiga ligou” eu perguntava: Qual? E ele: uma das Danielas... as Danielas sempre em casa, no meu quarto e Kew com a gente... e éramos melhores amigas e eu uma boca aberta, daí que as Danielas sabiam da origem do nome do Kew...
Durante festas ou na presença de outros amigos, Kew ficava dentro do guarda-roupas, mas todas as noites, ele dormia comigo.
Num sábado de manhã, num daqueles que eu não tinha aula, portanto, podia dormir até meio dia como eu gostava, lá estava eu nos braços de Morpheu e de Kew, e eis que minha mãe vem me acordar:
- Não tenho aula - foi minha resposta sonada, mas minha mãe empolgada insistiu:
- Tem um moço aí querendo passear com você (parentêsis: minha mãe, super gatinha e cheia de namorados na adolescência, não se conformava que a filha não era exatamente popular, nem nunca havia namorado, ou seja, minha mãe estava empolgada com um rapaz querendo passear de carro comigo num sábado de manhã)... Só que eu não porque o rapaz era o José Ricardo! Ou seja, não fazia parte do nome do Kew e não me interessava, ainda mais num sábado de manhã! Mas, porém, contudo, todavia... minha mãe não sossegaria até eu aceitar o “bendito” convite, tive que levantar, cara amassada, deixando o sono e o Kew na cama.
Escovei os dentes, comi uma maçã e lá fui eu passear de carro com o José Ricardo, num carro bonito (do papai) que ele fez questão de exibir, outro item a ser considerado: eu nunca tive quedas por carros, e repito: tampouco pelo José Ricardo, apesar de mamãe achá-lo um bom partido... no meio do passeio pela Região dos Lagos, o rapaz tentou tirar uma casquinha, mas como eu disse, não era de meu interesse, e repito: principalmente num sábado de manhã! O mais educadamente possível, me desvencilhei, logo, acabou o passeio e voltei para casa livre para dormir (ponto: era o que eu pensava).
Ocorre que, é necessário explicar que o irmão do José Ricardo, o José Roberto, estudava com meu irmão, eram muito amigos, inclusive tocavam juntos numa banda cover do Nirvana, daí que José Roberto frequentava bastante minha casa.
Eis que chegou a segunda-feira, dia de escola.... Já estranhei o fato da Daniela Kastro estar conversando com José Ricardo logo cedo antes do 1º sinal, eles não eram próximos, até onde eu sabia... Durante a aula de química, uma movimentação um tanto incomum e discreta de bilhetinhos, que nunca chegavam a mim...
Eia pois, chegou a hora do recreio, não houve a caatira dos meninos no pátio, como em dias melhores, mas cochichos e risadinhas... Eu e minha fiel escudeira Daniela, a Zamarioli, nos sentíamos excluídas e intrigadas... Até que Gustavo, um colega de classe desvendou para mim, o que já não era novidade para a maioria dos alunos adolescentes do Colégio Soares de Oliveira:
- Claudinha, dormiu com seu gatinho Kew essa noite? (risinhos...)
Aí, eu entendi toda a movimentaçãozinha, e fui descobrindo o mistério, José Roberto, o enxerido irmão de José Ricardo viu o meu gatinho de pelúcia, achou engraçado, logo contou para o irmão, até então, meu fã, que curioso descobriu a origem do nome com minha amiga traidora Daniela Kastro e despeitado espalhou para o colégio todo...
De início, não me importei muito, achei só mais uma babaquice, mas quando cruzei com Kléber, o paquerinha mais tímido, que me cumprimentou com um sorrisinho sem graça e o rosto colorido como pimenta malagueta, percebi o tamanho da desgraça, fui direto à traidora Daniela Kastro, que me confessou entres risinhos meio satisfeita que tinha contado só ao José Ricardo... Como assim, só ao José Ricardo
Aquele foi um monte momento bem triste muito menos pelo risinho dos colegas adolescentes, muito mais por perceber que minha mãe tinha razão mais uma vez, Daniela Kastro não era minha amiga, era falsa, decepção profunda, a primeira que me lembro relativa à amizade, até hoje dói um pouco...
Pior só ficou com a passagem do William, meu paquera mor, amor platônico intenso, que, ao invés da ignorada habitual exibia um sorrisinho lateral insuportável... Até ele da classe do terceirão sabia...
Só faltava agora o Eduardo, o único das iniciais de Kew, que já não estudava mais no colégio.
Arrasada, era como me sentia, até matei a última aula, o que não era do meu feitio, para não ter que encarar todo mundo na saída... e por falar em mundo, o meu estava bem caído naquele dia, fiquei andando por caminhos mais longos, praças para chegar em casa no horário habitual e evitar explicações... já tinham se intrometido mais que o suficiente na minha vida nas últimas horas.
Depois do almoço me tranquei no quarto, alegando que precisava estudar, me abracei ao Kew e fiquei desiludida da vida até adormecer... só acordei no fim do dia com minha mãe me chamando para atender ao telefone:
- Não quero falar com ninguém respondi.
- É um tal de Eduardo - minha mãe disse... pulei da cama na mesma hora...
- Alô!
- Oi Cláudia! Tudo bem? É o Edu, lembra de mim?
(Claro que eu lembrava)
- Lembro... Tudo bem?
- Tudo
- Estou Ribeirão, falei com a minha irmã hoje, vocês estão na mesma classe, né?
- Estamos (respondi e gelei, será que ele estava fazendo um interurbano para me zoar... seria demais)
- Então, ele continuou, vou para Barretos no fim de semana, soube que vai ter uma festa no Grêmio, que parece legal... quer ir comigo?
(Acho que perdi a fala por alguns segundos)
- É... (oi.. ele estava me ligando de Ribeirão para me convidar para sair??? O Eduardo? A ficha demorou a cair...)
- Claro...
- Posso te ligar mais nesta semana?
- Poode...
- Então tá, um beijo
 - Beijo
- Até loguinho
- Até...
Desliguei o telefone meio que... perplexa... era a palavra que me veio à cabeça..
Eu ia sair com o Eduardo!!!!! Quase saí pulando, ou saí.. mais que depressa, liguei para minha fiel escudeira Daniela Zamarioli, pedi segredo, que ele guardou muito bem...
Sem dúvida, jantei bem e sorridente, meus pais e irmão não entenderam nada, mas quem entende adolescentes? Estudei pensando no Edu.
E na terça fui para a escola com sorrisinho permanente estampado e nem me abalei com os comentários sobre o gatinho de pelúcia, só respondi sorridente correspondendo às piadinhas o que fez que o assunto logo perdesse a graça... Fingi que aceitei as desculpas da traidora Daniela Kastro e até os encontros com o William me causavam calafrios mais brandos...
Pois bem, a semana passou vagarosa e cheia de ansiedade, abraços no Kew, telefonemas interurbanos no final do dia, seguidos de sorrisinhos, até a esperada sexta-feira... mas aí já é outra história.

SP, 28/05/2018

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