A galope




Luiz era advogado-sócio-chefe do escritório de advocacia Serrano Tavares, ao contrário de mim, sempre gostara do meio jurídico, de modo que se sentia realizado na profissão. Apesar de parecermos muito diferentes, inclusive no visual, já que Luiz aprazeirava-se com o terno caro, bem cortado da marca Ermenegildo alguma coisa e o visual elegante, adequado ao meio jurídico e eu sempre naquele vestuário C & A, que passava porque não era jeans nem curto, mas sempre com cara de quem ansiava pelo tênis ou pelas Havaianas, mesmo assim mantínhamos amizade e camaradagem desde a faculdade e ao menos, uma vez por mês, almoçávamos juntos para colocar o papo em dia.
Num desses almoços, numa sexta-feira, nos empolgamos mais do que de costume, fomos ao Bom Gosto, boteco da rua São Bento, que já tinha sido o Dix na nossa época de Mackenzie e que mantinha o mesmo garçom há mais de 30 anos, o Dino, nosso camarada.
Pois bem, calhou que era aniversário do Dino, que feliz da vida nos presenteou com cervejas e até com um drink a base de gin... Que almoço divertidíssimo, regado à boa comida de boteco, álcool e muitas lembranças. No fim da comilança, um café bem forte e de volta à realidade: uma tarde de trabalho em frente ao computador.
Até que eu me saí bem, apesar de umas pescadas durante a leitura dos processos, sobrevivi... já no final do expediente, recebi uma ligação do Luiz:
- Claudinha, você não acredita no que me aconteceu há pouco... Sabe a reunião com o pessoal da Prefeitura de Araçatuba, nosso possível cliente... Então, estava eu lá explanando o currículo do escritório empolgadamente, levantei para ajeitar a tela do computador e quando fui sentar de volta, você acredita que a cadeira tinha me abandonado... Caí de bunda no chão na frente de todo mundo.
 Eu desabei num riso alto incontrolável e Luiz do outro lado da linha também chorando de rir... achei a história engraçadíssima e não pude deixar de tirar sarro do meu amigo por meses... Só de imaginar Luiz caindo no chão no meio de uma frase de efeito, provavelmente alguma expressão em latim, o riso tomava conta de mim, foi muito divertido, pelo menos para mim...
Eis que, aproximadamente uns 2 (dois) anos depois do tombo do meu amigo, ou seja, na semana passada, estava eu substituindo meu chefe no Cartório da Presidência do Tribunal de Contas e como diria meu parceiro, a vingança vem a galope...
Justo no dia em que eu esmerei no visual, com o vestido social Lellis Blanc, presente da ex-sogra, estava até mesmo com pinta de advogada chique e chefe, além do visual, para meu deleite (só que não) tive que atender o Dr. Eliseo, advogado “habitués” da Corte de Contas, que sempre exigia explicações detalhadíssimas sobre os mesmos assuntos e que fazia questão contar causos jurídicos compridíssimos, ou seja, um chato de galocha! Enfim, após explicar com muita paciência 3 (três) vezes o mesmo artigo do Regimento Interno ao nobre causídico, retornei à minha mesa e aconteceu... na “trairagem” a cadeira nova de chefe, a mim, temporariamente designada, afastou-se do meu corpo, bem no momento em que tentei nela me reacomodar e pá, caí de nádegas no chão, com direito a um poderoso estrondo, que atraiu até a atenção dos colegas do Cartório ao lado... Sim, não fosse eu a protagonista, teria sido bem engraçado, mas foi trágico...  Passei um vexame geral e o pior: o chato do Dr. Eliseo assistiu a tudo de camarote, ainda ofereceu ajuda e depois, bem ao estilo do meu amigo Felipe, caiu numa risada incontrolável... Puta que pariu, porra, merda, foram as palavras mais leves que passaram pelo meu pensamento, enquanto custosamente me levantava com dor na bunda, sem ferimentos físicos mais graves, mas com meu orgulho, irremediavelmente dilacerado, macerado, triturado, pulverizado...
O fato é que devo estar servindo de chacota até agora para o mala do Dr. Eliseo e para meus colegas de tribunal. Ao menos, alegrei uma tarde chata de quarta-feira... O pior é que a bebida mais forte daquele dia, havia sido café depois do almoço, nem a desculpa do álcool eu tinha... que papelão: a chefe substituta do Cartório da Presidência, de roupinha e sopatos sociais, meia fio 40... estatelando-se no chão, dando show para a galera...
O jeito foi dar uma risadinha amarela, fingir que nada demais havia acontecido, ignorar os risos contidos e o incontido do maldito Dr. Eliseo e continuar trabalhando normalmente... Além de, é claro, ligar para que o Luiz pudesse rir também e, ao final do expediente, encontrar abrigo no nosso velho bar, ex-Dix, atual Bom Gosto, para ser consolada com a sempre gelada cerveja servida pelo garçom camarada Dino...
Ainda que com a bunda dolorida, o infortúnio rendeu um bom drink grátis.




(Laboratório de Redação Literária com Gílson Rampazzo. Tema 24: Seu amigo lhe contou uma situação vivida por ele, muito engraçada para você, mas constrangedora para ele. Só que você nem imaginava que um dia a mesma coisa iria acontecer com você...)

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