Carta


Querida avó, pode ser vovó?
Tanto pra te dizer
Nem sei o que pensei
Bem sei, mas nem sei
Começo e já confesso
Não sei o teu nome
Imagino o sobrenome
Como o da tua neta que conheci
Minha bisavó
Foi de passagem
Só até meus 13 anos
Época de enganos
Quando ela se foi
vi a morte perto
Não gostei
Mas ela voltou outras vezes
Ela sempre volta...
...tem trabalhado bastante...
Da minha bisa, tua neta
Eu gostava
Mas ela de muito
Não se lembrava
Fazia tapetes de crochê
De saquinhos de leite
Achava melhor
Calça comprida
Que saia curta
Usava vestido
Não lembrava os nomes
Às vezes se perdia
Dizem que conheceu Gandhi
Bonita, muito bonita
Morreu com 93 anos
E ainda era bonita
Cabelos longos, lisos
Prateados
Olhos claros
Azuis esverdeados
Ofuscados
Mas com aquela
Faísca que só
Os que muito brilharam
Podem ter.
Meus olhos brilham
Mas são castanhos
Como meus cabelos
Como eram teus cabelos?
Negros?
Ficaram também prateados?
E teus olhos, brilharam?
Muito te ofuscaram?
Quem eu sou?
Digo, quem tu és, vó?
Puri, carijó?
Quem somos nós?
Te pegaram no laço?
Era crasso...
O meu avô?
O pais de teus filhos?
Foste amada?
Foste feliz?
Bonita és!
Em minha lembrança
Inventada desejada
Te vejo fazendo
Infusão de erva de Santa Maria
Bisa disse que conserta até osso
Acreditavas na Maria, no filho dela?
Ou era um outro viés?
Que Deuses te protegiam?
E o teu moço?
Mais gosto ou
Desgosto?
Como era o teu céu?
Teu ar?
Tanto a te perguntar
Acho que gostarias de mim
Tenho um pouco de ti
Acho que um tanto...
Falei, falei e não contei:
O mundo tá esquisito
Muita coisa mudou
A natureza está revidando
Cansou de morrer e sofrer
Longa história...
Ninguém se encosta
Mas, eu falei
e nem disse:
Queria mesmo desapagar
A nossa
História
Contar para o meu filho,
Teu neto
E tatuar na pele
a tatuagem da
Ancestralidade
Pensei agora...
Te pintavas?
Espero tua resposta
Agarrada na inventada memória
Benção, vó
Vovó.
https://youtu.be/-zO9nh799MA

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