NossaJam



O que é NossaJam?
É um projeto que ocorre em uma sala no Centro de Referência da dança da Cidade de São Paulo, todas as quartas-feiras, a partir das 18 horas, consiste em encontros de improvisação de dança sem pauta prévia...
O assunto veio à baila num happy hour de mesa grande no Amarelinho, nosso boteco frequente em Santa Cecília, os idealizadores do projeto estavam sentados ao meu lado, falávamos de nossas não-realizações profissionais e dos expedientes para sobrevivermos em tempos tão sombrios, Jean e Luana, meus vizinhos, são franco-brasileiros, fotógrafos, ele dançarino, ela tradutora, embora Jean pague as contas trabalhando como programador numa empresa coxa, no 1º sarau que organizei, a performance de Jean, contando sobre uma mariposa, foi sensacional...
- A poesia e os saraus tem sido meu ópio, comentei – e ele me contou que a ocasião da Mariposa foi sua primeira experiência em sarau, que as palavras não são o forte dele e me convidou para experimentar improvisar na NossaJam...
Eu ri sinceramente:
- Jean você nunca me viu dançar, sou péssima, descoordenação é meu segundo nome - mas ele insistiu em discordar poeticamente:
- Sei que seu segundo nome é Renata, ou seja, Renascida, além disso, aposto que essa sua convicção da descoordenação vem daquela criação anos 80 quando uma criança não ia tão bem nas primeiras tentativas de qualquer atividade, recebia a sentença definitiva: “Nunca será bom nisso...
- E o pior é que crescemos acreditando nisso! –completou Luana.
Enfim, a cerveja estava gelada, os argumentos dos meus vizinhos eram bons, o happy hour terminou com a promessa de que eu apareceria na tal jam qualquer quarta... promessa alcoólica que logo será esquecida – pensei.
Mas somos vizinhos, outros encontros vieram, e Jean sempre reforçava:
- Não se esqueça que você me prometeu, só temos o espaço garantido até o fim do ano, meu avise quando pode ir que “dançarrei” com você... - eu, sempre sorria, convicta de que não cumpriria a promessa.
Tempo depois, não muito tempo depois, aconteceu um tsunami, uma fase péssima, me sentia no meio de um dilúvio entremeado de geada, neve, inverno sem fim... cheguei a pensar que estava no jardim do Gigante egoísta, onde a primavera nunca chegava, como no conto infantil de Oscar Wilde, que eu li para meu pequeno.
Eis que, no meio de uma semana tsunâmica, na quarta-feira em que até o chuveiro queimou, perto das 18 horas eu comuniquei: - Por hoje:chega - e fugi do trabalho...
Fugitiva-caminhante pelo crespúsculo da rua Direita, consegui respirar e chegar ao Vale do Anhangabaú, achei o Centro de Referência da Dança e não foi difícil encontrar a sala da tal jam... Assim que entrei, pensei em voltar.... várias pessoas se alongavam no chão e antes que eu desistisse, Jean apareceu com sorriso, abraço e sotaque francos... Devidamente apresentada a todos os nove dançarinos, pedi para só assistir e me sentei num banquinho no canto da sala.
Tanto os movimentos quanto a música foram, pouco a pouco, preenchendo a sala clara com cores ritmadas, os dançarinos flanavam ao som convidativo, meio Black music, meio jazz, agradável.
O fato é que depois de uns quinze minutos, eu acho, Jean veio até mim, tirou meus sapatos, me estendeu a mão... e eu, digo, meu corpo, foi... no começo... estranho, a cabeça querendo comandar, a descoordenação assombrando, mas depois, me deixei contagiar, comecei a fluir, digo, dançar... movimentos espontâneos, amalucados... soltei braços, pernas, rolei no chão, fechei os olhos, me permiti entrar na brincadeira e me inebriar...
Ao final, me sentia cansada, ótima e leve com um sorriso tatuado nos lábios, sem tsunami, sem dilúvio, nem geada... no meio do burburinho de despedida, ainda atordoada, ouvi meu anfitrião:
- Pra quem não conseguiria fazer nada até que você arrasou, vizinha...
- Verdade, me senti um pé de valsa!
Todos riram enquanto alguém rapidamente colocou mais uma música, uma valsa clássica, mais inusitado e engraçado foi quando meu amigo, mais uma vez, me estendeu a mão:
- Me concede esta dança, madame:
E lá fui eu e lá fomos nós, NossaJam terminou em valsa, muitos pés de valsa, até os meus.

(Laboratório de Redação Literária com Gílson Rampazzo

Tema 57: Pé de valsa)

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