Imagens da Sé


Quase todos os dias meus olhos assistem a muitas imagens na praça da Sé, num dia crianças montadas numa vaquinha, noutro, um beijo apaixonado na saída do metrô, enquanto freiras e monges descem a escada rolante, ao lado de um cantor de samba, em plena atividade.
O rapaz sorridente lendo poesias, ou o razinza atropelando todo mundo para sair do trem; Uma vez, até ganhei um livro de poesias de um escritor simpático “Sonetos do último Quarto do Século XX – Volume V”.
Já ensinei um rapaz a passar na catraca, já presenciei vários manifestos, já ouvi várias pregações, algumas estapafúrdias, já parei para fotografar o sol entre as arvores da praça.
A poucos dias, saindo do buraco do metrô, vi uma moça que gritava: “Doeu, doeu! Tá doendo ainda!” Ela repetiu a dor muitas vezes, em gritos de desabafo, durante todo o dia pensei naquela mulher, que era provavelmente mais jovem que eu, mas que já deve ter vivido coisas que nem imagino, imaginei qual seria a causa de tanto sofrimento, mas eu nunca saberei exatamente. Teria enlouquecido? E o que seria enlouquecer? A consciência plena da realidade ou a falta dela?
Percebi que somente quando eu chegar perto do entendimento daquela dor imensa, poderei fazer, de verdade, o papel que me foi dado “A Africana”. Senti medo, entender o sofrimento alheio dói, porque é preciso suspender a anestesia natural.
Hoje, dia de sol, feliz, perdida em pensamentos românticos sob a trilha de Schumann, desci novamente na praça da Sé, dentre várias imagens, eu vi nitidamente um cachorrinho preto, filhote, simpático, abanar o rabo para um humano, de blusa amarela, que respondeu ao agrado com um chute horrível.
Eu gritei: Bruto!
O homem de blusa amarela seguiu seu caminho sem olhar pra trás
O cachorrinho saiu choroso e eu vi sua protetora embaixo da carriola de papelão acolhendo-o e escondendo-se como se a agressão tivesse sido dirigida a ela própria.
Segui para o trabalho.

Comentários

Anônimo disse…
você sabe que quase chorei imaginando o cachorrinho preto sendo chutado.
que texto lindo cax, eu adoro reparar nessas cenas do cotidiano.
e andar o dia inteiro de ônibus me proporciona histórias incríveis.
:-)

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