Tudo quase igual, mas diferente



Quando eu cheguei, minha mãe estava me esperando como quase sempre, mas quando eu abri o portão o Fred não veio me encontrar, a lua estava cheia e alta e eu a observei por muito tempo enquanto escondia minhas lágrimas atrasadas,
Comidinha boa, caminha quente.
Meu pai estava em casa cedo e almoçamos todos juntos um franguinho caipira.
Até ensaiei. Filme na madrugada igual.
Telefone tocando na madrugada pode ter dois significados: Amigo bêbado na balada ou notícia triste, não tinha nenhum amigo bêbado. Minha mãe disse que a notícia era boa porque ele estava sofrendo muito, embora ela tivesse razão, notícia de morte nunca foi boa para mim, quem sabe quando o Bush morrer, mas não era o caso.
Eu tentei dormir, mas me lembrei dele o tempo todo, tínhamos a mesma idade.
Ailton nasceu 13 dias antes de mim, na Bahia, numa cidadela perto de Ilhéus, adulto, mudou-se para São Paulo, como eu. Lutava karatê, como eu vi nas fotos, mas quando eu o conheci, ele já não tinha um braço, trabalhava como voluntário no CVV, atendendo telefonemas de pessoas desesperadas. Pelas previsões médicas, eu nem o conheceria, mas ele era tão vivo, alegre, disposto que, no fundo eu não acreditava que ele morreria de verdade.
Em 1988, eu tinha prometido nunca mais ir à velórios, mas no sábado, mudei de idéia, não sei porque, tive que ir. Não consegui ficar, era tudo tão estranho e tão natural, olhei para o céu de novo, estava azul, uma pipa rebolava colorida e eu pensei seria para ele que ela dançava.
Ritual triste, sol forte, palavras inúteis e caminhadas necessárias, passeando pelo cemitério encontrei fotos de parentes próximos e distantes e apreciei obras de arte, todo mundo agindo tão naturalmente, tudo era natural, reparei no zelador do cemitério, no cara que fechava o tumulo e até no rapaz que fumava deitado na lápide ao lado da gordinha.
Sensação estranha aquela, me lembrei de quando eu era criança e ia ao cemitério com o tio Luiz lavar túmulos e passear, depois lembrei-me do porque eu não gostava mais de ir a cemitérios. A escultura em mármore carrara no tumulo do meu bisavô, me atordou.
Segui, saí.
À noite tomávamos cerveja e comíamos torresmo, quando a família do Ailton chegou, o irmão dele parecia tanto com ele que senti ia chorar de novo, mas o céu estava longe e resolvi cozinhar o virado, haviam gatos no caminho, vários gatos fofos.
No domingo de dia das mães com a comida deliciosa da tia Rosa, pertinho de mãinha e vóinha, com o tio e o primo contando dos barracos e das proezas inconseqüentes da infância, senti que muita coisa ainda era igual.
Saí mais cedo, mas dormi quase o tempo todo, como de costume. Já em casa, sinto que nada é igual, mas sempre será semelhante.

Comentários

Anônimo disse…
é....nunca é igual quando voltamos pra casa...mas tentamos sempre fingir que é.

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