Gênia

“O mar serenou quando ela pisou na areia...”
Toda vez que eu ouvia Clara Nunes, em especial, esta música, me batia um arrependimento arretado de ter desperdiçado a chance de ficar com Tiago, o percussionista, que encontrei na 2º terça-feira de outubro de 2017, no Ó do Borogodó, bar de samba no bairro Pinheiros.
Não que precisasse, mas para acentuar meu arrependimento, Lígia o encontrou pouco depois no mercado da Lapa e me mandou uma foto, ambos sorridentes e aquele sorriso olhava pra mim na tela do celular de tempos em tempos.
Não raro, Lígia que estava comigo no episódio Ó do Borogodó repetia que não entendia porque eu não tinha ficado com aquele percussionista maravilhoso, nas palavras dela...Tampouco eu entendia, acho que fiquei tão embasbacada que fui embora.
E o cara ainda é mestre de bateria da Mocidade Alegre, o que soube por uma mensagem na madrugada do sábado de carnaval, pela mesma Lígia, que por conta de uma hérnia, só pôde aproveitar a folia pela TV, onde ela deu de cara com o meu amante desperdiçado...
Pudera aquele homem não me sair da cabeça, como um samba bom.
Mas eis que num domingo de março eu passeava, ou melhor, eu corria atrás do meu filho, que estava de patinete, no Parque Minhocão e avistei do outro lado da pista um homem negro alto também correndo para alcançar um menino na bicicleta do Batman, mesmo personagem estampado no patinete do meu rebento.
Caraca, o que eu faço agora? Sorte que eu não podia mesmo parar de correr... até que os morceguinhos filhotes Pedro, o meu, e Dudu, o de Tiago, pararam um de frente ao outro para uma animada conversa sobre qual seria o veículo mais rápido e como o Batman é o melhor super herói de todos.
Ótimo, não havia alternativa, senão cumprimentar o pai do Dudu, respirei fundo para tentar disfarçar a falta de ar decorrente da corrida e do nervosismo do encontro inesperado.
Super naturalmente, só que não, nos cumprimentamos, enquanto os meninos engrenaram na conversa, de novo, respirei fundo quando Tiago me olhou com aqueles olhos sol (que até já tinham me inspirado um poema) e começou aquela conversinha clichê, agradabilíssima aos meus ouvidos apaixonados:
- Quanto tempo... que saudade... só assim mesmo ao acaso para te encontrar... Você mora por aqui? Vamos marcar alguma coisa...
Eu, num momento Agora ou Nunca, disparei:
- Terça vai passar aquele filme da Lígia no Centro Cultural Banco do Brasil. Vamos?
- Claro, me dê seu telefone, que a gente combina, eu te pego.
- Não precisa, Tiago, trabalho ali ao lado, posso te encontrar lá, por volta das sete e meia.
- Marcadíssimo!

Nisso, Pedro já estava agarrado a minha perna, era hora de ir embora.
Eita... A despedida foi um abraço breve, mas forte e senti a mão dele em meu braço antes de seguir o caminho de casa, oposto ao dele.
Puta que pariu... O que eu fiz? Convidei o cara para sair, não dei meu número, não peguei o dele... o patinete numa mão a outra segurando a mão do meu pequeno, a cabeça voando assombrada pela visão: eu esperando no hall do CCBB sem nem poder confirmar se o cara apareceria... Tudo bem, meus amigos estariam lá, mas seria uma boa ideia ele já conhecer meus amigos, caso ele fosse mesmo?
Sensacional, Cláudia! Sou uma gênia ótima para marcar um 1º encontro oficial pronto para o fracasso... Fazer o que? Estava marcado, marcadíssimo!
Enfim, chegou a terça-feira e com ela a celeuma para escolher uma roupa para trabalhar, que seria a mesma que eu iria ao filme da Lígia e, por consequência, a roupa do 1º encontro oficial com os olhos de sol (caso ele aparecesse, lógico!)
1ª tentativa: muito coxinha.
2ª tentativa: muito desconfortável.
3ª tentativa: o vestido que comprei da Zilda, a costureira da loja em frente ao meu prédio... perfeito: confortável, colorido, finalizei com o colar vermelho da sorte e voilá... gostei do resultado.
Um pouco de perfume 212, frasco na bolsa para o retoque e bora!
Pois bem, fiz de conta que era só mais uma terça-feira... Meio enevoada, embora fizesse sol, segui para o trabalho... a concentração estava de ruim para inexistente, lia 3 vezes a mesma frase de cada chatíssima petição... ufa! quase 19:00 hrs., sobrevivi.
Só que eu ainda estava em dúvida se deveria entregar ao meu percussionista preferido o livro Um Defeito de Cor, tema da nossa conversa no dia que nos conhecemos, seria too much?
Talvez... Passei o livro da gaveta para minha bolsa, ajeitei o cabelo, retoquei o 212 e às 19:31 já avistava Lígia conversando animadamente na porta do Centro Cultural.
Cumprimento vai, cumprimento vem e pouco antes de entrar em estado de ansiedade, avistei os olhos de sol no meio da instalação do Basquiat.
Salve! Ele abriu AQUELE sorriso, me abraçou e disse:
-Adorei o colar.
- Obrigada

Isso (pensei quase alto)! Sabia que aquele colar me daria sorte... E depois do elogio, em mais uma adorável cena-clichê, com direito a olhos nos olhos e aquele toque derretido no meu braço direito, eu já sabia também que a noite iria até onde eu quisesse... Até o café da manhã da quarta-feira, pelo menos...


(3ª Crônica – exercício Laboratório de Redação com Gílson Rampazzo.
Tema: Depois de muitas idas e vindas, você marcou finalmente o primeiro encontro. E agora? Que roupa usar? Levar ou não um presente? O que falar? Até onde ir? O que?...)



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