A Cena
A melhor maneira
de acabar um namoro simplesmente não existe, terminar uma relação amorosa é
sempre uma merda, uma enorme, incômoda, mal cheirosa e necessária merda!
Não é
nada agradável tomar um pé na bunda, é triste, magoa, porém, se a decisão não
foi sua, só resta conformar-se, a receita é chorar, desabafar com os amigos,
ouvir uns chavões:
“ Você
vai arrumar alguém muito melhor”
“Outros
amores virão!”
“Ele não
sabe o que está perdendo”
“Você é
muita areia para o caminhãzinho dele”
“Sempre
achei que você merecia mais”
Enquanto
você repete aos prantos: “Eu não quero mais ninguém”
Talvez
depois de um bom porre, com certeza depois de dar o famoso tempo ao tempo, as
coisas se ajeitam.
Bom,
depois de um dos foras que tomei pela vida, minha grande amiga Berenice invocou
que eu tinha que conhecer um cara chamado Tácio.
“- Amiga,
o Tácio é a sua cara, tem tudo a ver, o mesmo gosto musical, simpático, seu
tipo físico e ainda compõe e toca numa banda maravilhosa chamada Lacer! Moreno
alto, bonito e sensual, não tem como você não gostar!”
- Vixe!
Minha vida virou um coleção de chavões, era o que eu pensava do alto do meu
momento de luto e detox de homem, como dizem, mas Berenice não sossegaria
enquanto eu não conhecesse o tal moreno alto...
A ocasião
propícia foi num show maravilhoso da Nação Zumbi, Bere, amiga de todos os
pernambucanos residentes em São Paulo, deu um jeito de fazer nossa
aproximação...
E não é
que o cara tinha tudo a ver comigo mesmo! Foi o mais perto que tive de “amor à
primeira vista”.
Bonito,
simpático, músico, estiloso, poeta, descolado, ainda com aquele sotaque recifense
que eu adoro... Pronto... não demorou muito eu estava nos braços daquele homem
enorme e maravilhoso.
O namoro
engatou, Tácio romântico, fofo, amigo, frequentávamos os shows mais legais,
ríamos muito... a banda Lacer começou a decolar, e eu combinava bem com o papel
de namorada tiete, apaixonada... os três primeiros meses foram próximos da
perfeição, mas... começaram os “mas”.. sempre começam os “mas, porém, contudo,
todavia”
Desde as
primeiras semanas, ele expressou o desejo de morar junto, casar, ter um filho e
desde sempre eu, com toda sinceridade do mundo, disse que não queria me casar
de novo, tampouco ter mais filhos, porém ele sempre voltava ao assunto convicto
de que, com o tempo, eu mudaria de ideia... Não mudei.
O mar de
rosas começou a talhar, logo após um show da Lacer, Tácio de cara amarrada, alegando
cansaço, me pegou pela mão e quis ir embora antes de todo mundo, eu achei que
ele tinha brigado com algum outro integrante, coisas de banda... mas não,
quando chegamos em casa ele estava furioso, dizendo que se sentiu desrespeitado,
que onde já se viu eu dançar com aquele cara na frente dele e blablablá... eu
fiquei atônita... o tal cara era meu amigo Marquinhos, que além de ser quase um
irmão pra mim, é completamente gay... Tácio se acalmou um pouco depois que
expliquei, todavia, o “mas” começou a permear a relação... E se não fosse o
Marquinhos? E se não fosse um amigo gay? Aquela reação ciumenta, fez acender
luzes alarmantes na minha cabeça... e os alarmes estavam corretos.
Com as
viagens frequentes da banda, ele queria saber onde eu estava o tempo todo, se
eu demorasse 15 minutos a responder uma mensagem, vinha drama... queria sempre
fotos de onde eu estava... num dia minha bateria acabou e fui fazer um happy
hour com o pessoal do trabalho, quando eu cheguei em casa havia uma chuva de
mensagens, a mais leve era “Você não me ama mais?”
Aquilo
começou a me sufocar, o moreno alto bonito sensual mostrou-se um cara muito
carente, machista e possessivo, embora negasse todos esses atributos... eu, que
nunca tinha encarado um par ciumento, não sabia nem como lidar com aquilo, o
amor, a paixão, a paciência foram arrefecendo...
Mais
alguns meses se passaram entre o céu e o inferno, até que decidi terminar, foi
muito difícil conseguir pronunciar as palavras:
- Não
quero mais namorar...
Muito mais complicado foi lidar
com a reação... Depois de longos minutos de silêncio, ele me beijou
apaixonadamente, dizendo: eu te amo, a gente se ama, você não pode estar
falando sério... fez juras de amor e acabamos dormindo juntos...No dia seguinte
quando eu voltei ao assunto, ele começou a chorar, não queria embora, pediu
para eu repensar...
Em resumo,
ele não se conformava e eu não conseguia ser firme o suficiente... estar no polo ativo do término é uma merda maior ainda do
que receber o pé na bunda.
Feito
adolescente, comecei a fugir do meu ex-amor, não responder as mensagens, isso
me dilacerava, me sentia mal, culpada, refém, tinha até receio em abrir o
WhatsApp...
Numa
noite, saí com Berenice para dançar e espairecer no lugar habitué, não é que o
Tácio apareceu... eu não estava acreditando.
Fui ao
banheiro com a amiga cupido e implorei:
- Não sei
mais o que fazer, Bere, você me colocou nessa situação, agora me tire!
A amiga
do coração vendo meu desespero, me pegou pela mão e disse - tive uma ideia,
deixa comigo.
Embora o
histórico das ideias de Berenice fosse temível, no auge do desespero, sem outra
alternativa, confiei.
No meio
da pista da balada, minha mentora ordenou ao pé do ouvido:
- Dance!
– eu obedeci
Bere
começou a dançar sensualmente bem pertinho de mim e a me passar as instruções
de cena ao pé do ouvido, após as explicações ela me levou até Tácio, olhou
firmemente para ele e disse:
- Vocês
precisam conversar.
De olhos
arregalados, o guitarrista da Lacer me acompanhou até o terraço, o lugar mais
reservado disponível.
Eu, quase
tremendo, virei o resto do gin tônica e disse:
- Tácio,
nossa história foi muito linda, você é maravilhoso, me perdoe, foi muito
difícil tomar essa decisão, mas eu não posso mais me esconder... eu não soube
como te dizer isso antes... Eu e Berenice estamos apaixonadas...
Eu nunca
tinha visto aqueles olhos tão grandes:
- Tá me
dizendo que estou sobrando aqui? Tá falando sério?! Agora eu entendi tudo, eu
sou muito idiota mermo...
- Eu
sabia, eu sabia! Tu nunca me amaste! Fique aí com tua amiguinha que tu ganha
mais...
E me deu
as costas.
Não vi
mais Tácio, só no programa do Serginho Groissman há poucas semanas, a banda
está em alta.
Soube que
se mudou para o Rio de Janeiro e está noivo.
No final
das contas, não sei bem se mentir descaradamente sob os conselhos da amiga
maluca e do gin tônica é a melhor maneira de acabar o namoro, mas... funcionou.
(Laboratório de Redação Literária com Gílson Rampazzo - maio/2019
Tema 54e: A melhor maneira de acabar o namoro )
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