7 cachoeiras
Férias de julho, namorado professor...
boa época para viajar.
Pois bem, chegamos à tarde a São Luiz
do Paraitinga e aproveitamos a simpática cidade até o começo da noite quando
Valdair, o uberista da pousada nos pegou.
Seguimos pela serra numa estrada bem
bandida, mas que terminava num local bonito e promissor, pousada de bom gosto,
donos simpáticos, enormes cachorros amigáveis.
Nosso chalé, com lareira, aconchegante,
a primeira noite promissora : vinho, ofurô, clima de lua de mel.
Ao amanhecer, seguimos por um belo
caminho ao restaurante para um delicioso café da manhã, encontramos nossos
novos amigos: Dani, simpática e ansiosa e seu marido William, simpático,
tranquilo e praticante de jiu jitsu, tudo ia bem, os donos da pousada Nilza e
José Carlos de uma paz de confortar o coração.
E eis que chegam os novos novos amigos:
casal atibaiense, Luiz Gilberto e Ana Cláudia. Ela: professora de educação
física, trilheira profissional e agradável. Ele: piloto de avião, advogado,
psicólogo e extremamente chato.
Após o café da manhã, Edson o guia, já
nos esperava para a trilha cortesia, que eu imaginava tranquila, porém as
palavras do guia foram:
- Olha, no site da pousada a está
classificada como de dificuldade média, mas depende da pessoa né, tem gente que
acha muito difícil, tem gente que acha fácil, depende do preparo físico, né?!
Fudeu! Foi meu pensamento imediato, e
bateu a vontade de desistir... mas... estava um dia bonito, de sol, frio
moderado, a galera animadíssima, o namorado professor de geografia querendo
conhecer o terreno... Resolvi topar, afinal, depois da minha promessa na Ilha
do Cardoso de nunca mais fazer trilha em pedras, já tinha se passado mais de 7 anos, foi antes de eu ser mãe, antes de
completado meia maratona e agora eu estava de tênis e não de Havaianas como no
dia da promessa.. era tudo diferente...resolvi me aventurar.
1ª cachoeira, ok, belo caminho,
subidinha
2ª: tudo indo
3ª cachoeira, maior dificuldade nas
pedras: começo a me lembrar como não gosto de andar nas pedras
4ª: pedras maiores e cordas para o
auxílio na subida, ali pra mim, já era uma dificuldade acima da média, mas não
desisti, mesmo porque havia divertimento: o papo e sotaque do guia eram bons e
ficavam cada vez mais engraçados porque claramente ele começou a xavecar a
Dani, esposa do William jiu jitsu, o que fazia dele também muito corajoso ou
confiante na serenidade ou ignorância do atleta de artes marciais que não sabia
o caminho da trilha, em contraposição a voz empostada de Luiz Gilberto, o
piloto de avião, era tão irritante quanto o conteúdo da conversa, mas como eu
estava concentrada no caminho das pedras, ignorava, ou pelo menos, tentava.
Trecho memorável como quando conhecemos
os bambus que o guia bem nos explicou que eram os “berçários dos sacis”,
fizemos respeitoso silêncio, isso foi um pouco antes do meu primeiro
escorregão, que molhou meu pé direito, o que me animou/obrigou a mergulhar nas
águas geladas da 5ª cachoeira.
Caramba.... O negócio estava piorando
bem, eram necessárias cordas para a subida, começou a bater o arrependimento,
mas respirei fundo e prossegui, mesmo porque eu não visualizava outra
alternativa no percurso, além do arrependimento, crescia em mim incontrolável
vontade de amordaçar o aviador-mala...
- Respire, Cláudia - era o que eu
repetia mentalmente, como um mantra.
Com bastante dificuldade, passamos pela
6ª cachoeira e ao chegarmos a 7ª, o visual quase compensava a dificuldade.
Em momento lúdico de alívio, depois de
mais um mergulho, chegamos à casa da Dolores, segundo o guia, bruxa da região,
lendas faziam parte do pacote de diversão... Era uma casa simples num
descampado de vista exuberante e a Dolores não existia, apenas seu refrescante
chá gelado de capim limão e um gostoso lanche necessário para prosseguirmos na
aventura, a medida que consegui me afastar do ser incomodante que seguia
conosco, pude curtir a paisagem, parecia que tudo ficaria bem, mas...
O próximo passo, rumo ao mirante, era
pela mata fechada, o que incomodou meu namorado asmático que se sentia sem ar,
por isso, paramos algumas vezes, mas por sorte (só que não), entre os
trilheiros havia um psicólogo, o dito cujo piloto-advogado e sobretudo mala,
pois bem, Luiz Gilberto achava que poderia resolver a asma com uma técnica
muito eficiente de neurolinguística, naquele ponto, uma autoajuda no meio da
trilha íngreme... era só o que faltava... O guia, um pândego nato, claramente
ironizava a situação e eu só sentindo falta da mordaça que poderia calar o terapeuta,
enquanto isso o foco asmático não sabia se ria, chorava ou respirava...
- Anderson, lembre-se do momento que
isso começou, quando foi a 1ªvez que sentiu o ar faltar? Dizia o
neurolinguista...
O geógrafo asmático mal conseguia
respirar, quanto mais falar... e usava o pouco ar que dispunha para rir ou
inventar respostas curtas...
Era só eu que me incomodava tanto com o
mala? Comecei a achar que não, quando vi que Dani, antes receosa, já estava bem
à frente, não sei se para fugir das cantadas descabidas do guia ou da sessão de
terapia do mala...
Providencialmente, quando eu estava
prestes a perder a paciência, chegamos ao mirante, lugar lindo, de tirar o
fôlego (no bom sentido), lá havia espaço para fugirmos da terapia e curtirmos o
local, foram 20 a 30 minutos de muita alegria no “topo do mundo”... mas logo a
realidade reapareceu, agora mais dura, porque chegara a hora da descida... mal
sabia meu joelho o que estava por vir...
A descida mais curta que a subida era
praticamente um rapel, só que nem sempre havia cordas... Puta merda... eu tinha
que me concentrar muito para, literalmente, não rolar montanha abaixo, neste
momento, a asma do namorado não incomodou, Ana Cláudia, a trilheira, não tinha
maiores problemas (além do marido, é claro). Dani, mesmo perdendo a sola do
tênis estava se virando bem, assim como seu marido atleta, cujo preparo físico
era totalmente adequado ao percurso, seguia sem incomodar ninguém, sempre
agradável e tranquilo, bem ao contrário do nosso psicólogo neurolinguista, cuja
técnica não se demonstrou autoaplicável, sentia o joelho e reclamava
repetidamente, infernalmente.
Enquanto eu decidia entre me concentrar
em descer sem cair ou jogar uma pedra no neurolinguista reclamão, ouvimos um
grito: Bicho, bicho!
Saímos correndo (nem sei como…),
encontramos Dani, que se assustara com um movimento na mata, provavelmente, um
tatu, o que serviu de mote para que o guia provocasse mais uma vez o marido
atleta William, que já estava adiantado no percurso, dizendo que ele tinha
deixado a esposa para trás a mercê dos bichos... Ainda bem que o lutador de jiu
jitsu era mesmo muito tranquilo...
Não sei se para fugir dos lamentos do
psicólogo ou para nos distrair do cansaço, o guia nos contou a “animadora”
história de um hóspede que infartou na trilha, cuja namorada não quis
acompanhá-lo no retorno, tarefa que coube unicamente ao guia narrador, que
passou o maior perrengue, porque nem tinha curso de primeiros socorros...
Achamos muito estranho a atitude da namorada… Como abandonar alguém em tal
situação? A única que murmurou perto de mim “Eu entendo” foi Ana Cláudia, a
mulher do mala, respondi com um sorrizinho solidário... Naquele momento eu bem
a entendia.
Enfim chegamos à pousada, fomos
recebidos com um reconfortante prato de mandioca frita. Sobrevivi!!! Jurando,
mentalmente, mais uma vez, que nunca mais me meteria em esportes radicais,
principalmente em pedras… e fui pegar uma Heineken, acompanhada do meu asmático
e agora terapizado namorado, nosso próximo desafio seria fugir do psicólogo,
advogado e piloto de avião, Luiz Gilberto: única tarefa mais árdua e necessária
do que terminar a infindável trilha de 4 horas e meia...
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