A Senhora da Passarela

Certo final de tarde ao passar pela passarela da Avenida Rebouças vi uma senhora negra de cara sofrida, lenço na cabeça, havia uma faixa enrolada em torno do seu tornozelo esquerdo, ela mancava, carregava uma sacola e andava muito devagar, quase se arrastando em direção ao Hospital das Clínicas. Caía uma chuva fina, ventava: Típico tempinho chato que costuma me deixar de mau humor.
Eu estava atrasada para a primeira aula de um cursinho de trânsito, cogitei ajudá-la, mas não ajudei. Pensei: Estou atrasada! Não me convenci, afinal, eu estou sempre atrasada.
Quarteirões à frente ainda olhei para trás, mas não voltei.
Será que alguém a ajudou? Por que não fui eu? Será que todo mundo que passou por ali também estava atrasado e não podia ajudá-la? Talvez todo mundo tivesse uma desculpa convincente para si, eu não.
Cheguei ao tal cursinho, a aula demorou a começar e eu fiquei lá sem ter o que fazer no meio de um monte de gente que eu não conhecia. Esperei longos minutos que me repetiram incessantemente que eu poderia ter carregado a sacola da senhora da passarela.
Se ela recusaria a minha ajuda, eu nunca vou saber. Sei que aquela chuvinha poderia ter pesado muito menos e aquele caminho poderia ter sido muito mais agradável para mim e para aquela mulher que eu vi por tão pouco tempo, mas que até hoje não sai do meu pensamento. Além disso, sei que neste momento, eu poderia estar escrevendo outra história, talvez bem mais interessante.

Cax Toledo
05/06/2002

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