Capricórnio
“Eu sei que vou
te amar, por toda minha vida eu vou te amar...”
Tocava Vinícius
no toca-fitas do papai, acordei bem humorada, além disso, enquanto eu tomava
banho, a voz rouca do Paulo Costa na rádio Bebedouro, anunciava um dia de sorte
no amor para os capricornianos.
Era o dia –
pensei - sábado de sol reservado para estudar literatura com o Fernando, meu
melhor amigo, minha paixão platônica.
Pois bem, minha
mãe me deixou em frente da casa rosada do meu amado, com vista para pracinha
Primavera, Fê apareceu logo lindo e afetuoso como sempre, abraço cheiroso.
Fomos para o
quarto dele, lemos poemas, falamos sobre o parnasianismo, fizemos os exercícios
do livro, mas foi quando Fernando leu Olavo Bilac:
"Amai para
entendê-las!
Pois só quem ama
pode ter ouvido
Capaz de ouvir e
de entender estrelas".
Me decidi:
- Fê, gosto de
você
- Eu também te
adoro, Clau
- Mas Fê, eu
gosto de você, tipo goosto mesmo...
O olhar de
espanto dele, abandonando o livro, não tinha traços românticos, a explicação
menos ainda...
- Clau, você é
linda, inteligente, minha melhor amiga, se eu fosse gostar de uma menina, seria
você, mas... Desculpa, amiga, não ter falado antes, você seria a primeira a
saber de todo jeito... Eu gosto do Luiz.
- Oi?!
- É, amiga, eu
sou gay, eu sei que o Luiz pega geral a mulherada e faço esse tipo hétero para
ficar amigo dele e dos outros caras da nossa sala, se eles souberem... ainda
não sei como vou resolver isso...
- Desculpa - ele repetia!
Caraca! Acho que
eu nunca tinha ficado tão passada na minha vida...
O Fernando não
dava a menor pinta, quer dizer, ele gostava da Madona, mas eu não tinha me
ligado mesmo!
Quando voltei a
mim, Fernando estava quase me chacoalhando e dizendo: - Desculpa, pelo amor de
Deus, não conte pra ninguém.
- Claro que não,
Fê! É sério isso?
- É – ele respondeu
e caímos numa risada nervosa que acabou em choro.
Saí dali ainda
chocada, passada, tanta informação e eu nem podia falar com ninguém, tive até
vontade ir me confessar para poder desabafar com o padre, mas desisti logo, já
fazia um tempinho que eu não era uma católica praticante...
Já em casa, fui
passar meus slides do Mickey para esquecer do mundo, só retornei com o telefone
da Dani.
- Oi amiga! Pode
escolher a roupa, vamos sair hoje, festa dos bixos da Odonto, meu primo vai
levar a gente.
- Ai Dani, não
estou com clima pra festa, nem conheço ninguém...
- Você me
conhece, já conheceu meu primo aqui em casa ... o Evandro vai estar lá você tem
que ir comigo, por favor. Vamo vai, eu passo aí, falo com a tia Angélica...
- Tá bom – cedi.
Meio desanimada, segui
o conselho da minha mãe e vesti minha roupa nova preta de bolinhas brancas,
aliás, minha mãe também estava animada com a minha saída, já que meu irmão
tinha ido acampar com os escoteiros mirins, os papais poderiam ter uma noite
romântica.
A única desanimada
era eu, a idiota apaixonada pelo amigo gay.
Mas lá fomos nós,
William passou na minha casa primeiro, estava cheiroso, de camisa azul,
combinando com o carro emprestado do pai, a cabeça careca de “bixo”... foi logo
se explicando que tinha passado em casa primeiro porque era mais perto, até que
foi muito simpático, embora não nos conhecêssemos muito bem, só tínhamos nos visto
duas ou três vezes na casa da Dani... eu nem tinha reparado que os olhos dele
eram tão verdes...
Logo chegamos a
casa da Dani, que estava animadíssima e muito bonita num vestido vermelho.
Universitários e
adolescentes já se faziam o burburinho em frente ao Grêmio Literário e
Recreativo, a festa prometia animação.
Perto da entrada,
já encontramos Evandro, o paquera da Dani, que nos cumprimentou, foi buscar
bebida, todo simpatia, mas em poucos minutos não conseguia fazer nada mais que
falar com a Dani e colocar a mão nos cabelos dela, com aquela cara típica de
apaixonado... William estava entretido com os amigos da faculdade.
Não, não para de
piorar, pensei: um fora à tarde, sobrando na festa à noite... O que eu ia
fazer? Ligar para mamãe vir me pegar e ainda cortar o barato dela com papai?
Será que não encontro nenhum conhecido? Resolvi circular e beber, quem sabe
circulando não ficaria tão evidente que eu tinha sobrado...
A música estava
boa, a galera bonita e animada, a maioria da faculdade, nenhuma cara conhecida,
eu estava curtindo o som, mas me sentindo peixe fora d’água, fui ao banheiro
para disfarçar... o toalete estava inundado pelo som de risadas animadas e um
cheiro de cigarro um pouco diferente... logo que entrei a porta do sanitário do
meio se abriu e, em meio a fumaça e às gargalhadas, reconheci a Clarissa, minha
colega de classe, não éramos muito próximas, eu era do grupo dos nerds e ela do
dos descolados de nota baixa, mas, assim que me viu, ela abriu os braços
afetuosamente:
- Claudinha, você por aqui, me abraçou e me
puxou para dentro da outra porta, enquanto as outras amigas enfumaçadas riam e
tentavam se recompor em frente ao espelho.
- Você precisa experimentar isso, minha prima
arrumou com os amigos da faculdade.
- Mas eu não
fumo, tentei argumentar
- Experimente,
vai gostar, cê tem cara de que vai gostar, puxe e segure um pouco – aceitei o pequeno
cigarro manual, fumei, seguindo as instruções...
- Nem tossiu na
primeira, Claudinha, aee você é uma maconheira nata - e ria sem parar.
Eu comecei a
tossir e ela pegou o toco de cigarro da minha mão:
- Passa a bola,
maluca, agora vou te ensinar a fazer uma peruana e antes mesmo que eu
perguntasse o que era peruana, Clarissa encostou seus lábios nos meus e soltou
fumaça dentro minha boca.
Eu fiquei
paralisada e ela, percebendo, me disse, - Relaxa - e me deu um selinho... Antes
que eu tivesse qualquer reação, alguém bateu na porta, Clarissa apagou o
cigarro, deu descarga para disfarçar, enquanto borrifava perfume, saímos logo
como se nada tivesse acontecido.
Rimos um pouco em
frente ao espelho, até que alguém a chamou:
- Clarissa, anda
logo, seu irmão está te procurando.
- Preciso ir, te
vejo no colégio – e lá se foi Clarissa.
Eu estava confusa
e com vontade de rir...lavei o rosto, ajeitei o cabelo e fugi do banheiro sem
saber o que faria...
Assim que saí,
dei de cara com William e eu sorrindo sem parar.
- Apareceu a
sumida, estava te procurando...foi só o que me lembro de ter ouvido, embora,
ele tenha continuado falando, falando, na minha percepção por horas, depois da
frase – gosto muito de você -, ele veio na minha direção, como a Clarissa, só
que sem o cigarrinho e enfiou na língua na minha boca, eu demorei um pouco, mas
correspondi, não é que o primo da Dani beijava bem?!
Nos beijamos por
umas 5 horas, na minha percepção, depois, ele pegou pela mão, e saímos flutuando
e rindo festa adentro, quando percebemos o dia já estava amanhecendo.
A balada terminou
no carrinho de lanches do Maneco, o rádio estava ligado, reconheci a voz rouca
do Paulo Costa, mas não consegui ouvir direito a previsão do dia para os
capricornianos, eu estava muito ocupada com meu x-tudo, não sei de onde veio
tanta fome...
(Laboratório de Redação Literária com Gílson
Rampazzo. Tema 32: Seu horóscopo anunciava um dia feliz para o amor. Confiante,
você se declarou à pessoa amada, e tomou o maior fora. Mas à noite, em meio a
sua fossa, outra pessoa inesperadamente se declara a você. Seria destino?)
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